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Também sou bonita, mas estou muito cansada

  • Foto do escritor: Danielle Apocalypse
    Danielle Apocalypse
  • 18 de jan. de 2024
  • 6 min de leitura

Outro dia recebi um link de um post no Instagram sobre um texto publicado na Folha de S. Paulo, pela jornalista-roteirista-cronista-mãe-faz-tudo-lindamente, que eu simplesmente venero há anos, Tati Bernardi.


Como as crônicas da Martha Medeiros, que eu tanto já consumia, a Tati passou a preencher também esse espaço do meu tempo, com os seus textos na Folha.


Só que ela é ela, né? Bem humorada, ácida, irônica, bem “foda-se eu escrevo do meu jeito e como eu quiser” — meu estilo favorito.


Justamento por isso, um dos seus últimos textos, “Eu sou bonita, mas estou cansada”, deu o que falar — não só entre os leitores masculinos mais conservadores da Folha, que a criticam pelo linguajar “chulo” e de “baixo calão”, mas entre milhares de mulheres que se identificaram com o seu desabafo.


Se antes dela ser mãe, eu já me identificava com a sua ironia e escracho de mulher solteira ao observar os acontecimentos no mundo, agora que ela é mãe como eu, não podia ser diferente. 


E convenhamos, são poucas que passam por essas transformações e conseguem manter a visão e veia literária intactas — mesmo quando o assunto, minha gente, é “motherhood fucking heavy metal hell yeah”. 


No texto ela diz desejar fazer camisetas com frases, em cores variadas e chamativas, em letras garrafais, para usar todos os dias. Nessas frases, ela gritaria para o mundo nossas frustrações matrimoniais quanto às divisões injustas de tarefas e responsabilidades dentro e fora de casa.


É companheira, quem nunca interrompeu uma reunião de trabalho super importante para atender a um telefonema emergência de casa — “Oi dona Dani, acabou o papel higiênico e a água, você pode pedir para entregar?”.


“Oi, tudo bem? Aqui é da escola, o Caio está chorando com dor de barriga, será que o responsável pode vir buscá-lo?”. Obviamente não sou eu a única responsável pela criança, todo mundo sabe que pra trazê-la ao mundo é preciso duas pessoas.


Mas enfim, quem mandou se separar e morar em outro estado. É com você agora, só você.


Ela, em seu texto original, diz ser bonita, mas estar cansada.


Bem, eu também sou bonita, e estou bem cansada. E aposto que você, e milhares de outras mulheres também devem sentir o mesmo.


Eu moro em São Paulo. Vim morar com a minha mãe depois da separação. Ela me ajuda em casa para que eu possa trabalhar, também de casa. Meus filhos já estão crescidos, o mais velho é praticamente um homem feito e não mora mais comigo, mas com o pai (meu primeiro marido) em outro país.


Já os gêmeos, do segundo casamento, possuem 12 anos, outro tipo de demanda.


É administrar horário de aulas online com jogo, também online; “saídas” pelo condomínio que ignoram a hora de voltar para jantar; mandar tomar banho e estudar; interromper brigas e discussões; corrigir vocabulário; impor respeito na forma de falar comigo; delegar tarefas de casa; responder às dúvidas, colocar na cama.


Fora todas as nossas preocupações básicas de mãe: providenciar alimento, roupa, consultas médicas e remédios, entretenimento… Ufa! Ufa, ufa, infinitos ufas.


Sabem como é, se não tiver uma rotina definida, adeus à sua autoridade de mãe.

Meu ex marido ficou morando no Rio de Janeiro e continua levando a vida que levávamos antes da separação, com a diferença da total liberdade. 


Coitado, fica longe dos filhos semanas, até mesmo meses. Uma judiação. À ele foi negligenciado o convívio dos filhos e não pode participar da educação deles.


É assim que muita gente pensa, uma bruxa insensível essa ex-mulher dele.

Telefone mesmo só para mandar figurinhas e mensagens: bom dia, boa noite, papai tá com saudades.


A mamãe já não recebe mais mensagens perguntando se está tudo bem ou se precisa de alguma coisa, afinal, ele já manda dinheiro pra isso todo mês.


E a mamãe é chata demais, grita o tempo todo, está sempre estressada, sem paciência, mandando em tudo. É, eu juro, sou bonita, mas tô cansada. 


Nesta pandemia ficou ainda mais puxado. Eu ouvi de tudo. Gente que começou a malhar em casa, outras que só ganharam peso, que quiseram se separar ou desistiram porque ia dar mais trabalho, que enlouqueceu com todos juntos dentro de casa, se sobrecarregou de tarefas e foi à loucura — um negócio de “altos e baixos” sem fim.


Eu mesma tive duas crises de ansiedade, nunca havia me acontecido. Somatizei cerca de mais de 10 anos de problemas mal e não-resolvidos, emagreci horrores, entristeci, mandei mal no corte de cabelo, tomei minha parcela de porres online e presenciais, dei vexame na frente dos filhos, e quase pirei quando soube que meu ex arrumou uma namorada. 


Agora sim, não sobra-lhe mais tempo para os filhos, está muito ocupado. Quem arruma namorada em plena pandemia? Acreditem, aparentemente é possível.

Tá, a gente tava separado há dois anos, normal. Mas sinceramente, não caiu bem, e daí? Não tenho que explicar. Mas tudo bem, eu sou bonita, só estou cansada.


Claro que para não pirar ainda mais, tive que dar minha solução — sacudir e seguir adiante!


Afinal, tem muita mulher casada, separada, divorciada ou mãe-solteira que trabalha fora, e cuida da casa e dos filhos, e dos pais, do namorado ou marido, tem amigos, sai para se divertir e ainda arruma tempo pra dar aquela “puxada de orelha” no ex, quando preciso — “Olha, num some não, telefona para os meninos”.


Seja lá qual for a tua profissão ou o que você faz para sobreviver: médica, CEO, empresária, professora, babá, cozinheira, vendedora, motorista de uber, manicure ou cabeleireira Leila, tenho certeza de que você dá um duro danado quando está fora, e ainda chega em casa, dando seus pulos também.


Não procurei por um terapeuta e nem tomei remédio (tá, só duas vezes na crise), mas voltei a escrever. Tem me ajudado muito. Minhas amigas e minha família foram providenciais.


Também aderi à ginástica em casa para movimentar o corpo e produzir drogas naturais de alegria grátis — assim não fico inventando paranóia para me autodestruir.


Mas é mesmo difícil viver em um mundo tão desigual. Não basta a desigualdade social, a mulher ainda tem que lutar pelos seus direitos, por justiça, pelo seu espaço, pela divisão de tarefas e responsabilidades, pela liberdade de usar o corpo, roupas e pelo seu descanso merecido. É muita carga para um corpinho feito para gerar e gestar outras vidas com amor.


Para o homem, fica fácil viver sem todo esse “extra curriculum”. Então, meus queridos machos, lindos, fortes, sarados, inteligentes e provedores, suas mulheres ou ex-mulheres, podem ser incríveis, lindas, divertidas, amorosas, carinhosas, amigas, fiéis, recatadas, safadas e do lar, mas também ficam cansadas. 


Nós precisamos fazer nossas camisetas ”Somos mulheres, fortes, independentes, deusas, mães invencíveis, e precisamos de respeito, segurança, estabilidade, às vezes pau duro, mas acima de tudo, descanso”.


E o leitor macho que se atrever a ler este post (comprido demais, duvido) pode se ofender com as minhas palavras. Mas como a Tati Bernardi, caguei pra você.


Aliás, cagaremos todas pra todos vocês! Pois não queremos mais ser subjugadas, humilhadas, oprimidas, denegridas, preteridas e subestimadas. Nossas camisetas, assim como nossos gritos de indignação, vão se espalhar por aí.


Quantas vezes, vocês tiveram que abrir mão de uma saída com os amigos ou uma viagem com o novo “mozão”, para ficar em casa com os filhos porque não havia outra opção? 


Ou parar uma reunião de trabalho para anotar algo na lista de supermercado ou ter que comprar algum material escolar no fim do dia? Já foi à farmácia comprar shampoo que acabou ou passa dias lavando o cabelo com sabonete até que a digníssima traga outro para você?


Quantas vezes, você, macho alfa provedor infalível, já notou que a calça do uniforme dos seus filhos não servia mais e se antecipou para comprar nova?


Ou ao menos perguntou à sua querida companheira ou ex-companheira se ela precisava de ajuda extra com isso ou para qualquer outra coisa que fugisse da rotina?


Eu falei alguns palavrões sim, posso ter sido grosseira e agressiva, expus a mim mesma e a outras pessoas, mas foi para nunca mais ouvir que talvez, eu não tenha um novo relacionamento porque “a pessoa” não quis… Sim, ouvi isso!


Você, mulher, linda e maravilhosa, também deve ter ouvido a sua parcela de absurdos.


Mas nós sabemos que somos finas, educadas, inteligentes e capazes. Eu ainda escrevo bem e sou forte e corajosa.


Não, não tenho namorado no momento — mas porque não quero, não preciso e tenho outras prioridades, ou talvez porque esteja mesmo é muito cansada.


Em homenagem à Tati Bernardi – jornalista, colunista da Folha de S. Paulo.

(São paulo, novembro/2020)

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